o pescador e o tempo
- larissashanti
- 21 de set.
- 3 min de leitura
Lagoinha do Norte, início de agosto
Por: Cadu Zahran.
O mar já sossegou da temporada da tainha, mas ainda tem cheiro de peixe no ar. Encontrei Bebeto na manhã de uma segunda-feira, no restaurante da sua família, Vento Suli, onde conversamos vendo o azul do mar. Ele falou com a alma de quem sabe que tempo bom não volta, mas história boa não se perde.

Bebeto é da quarta ou quinta geração de pescadores da Lagoinha do Norte, colecionador do Troféu Tainha de Florianópolis. Cresceu com o sal grudado na pele, sentado no barco, ao lado do avô, ouvindo e aprendendo as responsabilidades do mar. “A gente comia pirão d’água e pescava para sobreviver. Plantávamos mandioca e vivíamos de tainha”, conta ele com o olhar marejado de lembrança. Hoje, com mais de 40 anos de mar e rede, ele é patrão de canoa, o homem da popa: quem dirige a embarcação e cerca o cardume com experiência herdada e suor próprio.
Bebeto foi logo contando histórias da temporada e do medo que dá pensar no futuro da pesca artesanal. “O que vai acabar não é a tainha, é o pescador. Hoje em dia, ninguém ensina mais a remendar uma rede”.

E a tainha? Ah, ela vem sozinha. Ou quase. Nasce na Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, e precisa de três dias exatos de vento sul, nem mais,
nem menos, para deixar a lagoa e bordear o litoral catarinense. “Se o vento passa muito, joga o peixe pro oceano, e daí já era. Vai parar em São Paulo, Rio de Janeiro, vai embora. O mar é quem decide se vai ter peixe ou não”. A pesca artesanal é feita na beira da praia, com canoa, olheiro no alto e rádio amador. “Antigamente era apito e camiseta rodando na cabeça. Hoje tem até drone, mas nós aqui ainda vamos no olho”.
“Na praia, tudo é comunidade. Chega criança, chega velho, chega turista pra ajudar a puxar a rede. A gente dá duas, três tainhas para cada um. Antigamente era aposta: cortava o peixe em três. Cabeça, meio e rabo. Todo mundo levava um pedaço para casa”.
E quando o mar fecha o tempo? Aí entra o respeito. “Mar é igual pai. Se tu não respeita, a bronca vem
dobrada”. Ele conta do dia em que saiu da Praia Brava com a rede, tudo calmo. “Mas o mar muda de ideia. Veio uma série pesada. A canoa levantou seis metros. O remo caiu da tuleteira. O Marcelinho, considerado um dos melhores patrões da ilha, era experiente, graças a Deus, e nós, remeiros bons, saímos vivos. Mas eu não quero passar por aquilo de novo”.
No meio da conversa, Bebeto também fala de cultura: da canoa de um pau só, feita de garapuvu, árvore, hoje, protegida por lei. “Antes, os caras subiam o morro, abraçavam a árvore em cinco, cortavam e desciam a cavalo. O cuidado era maior, a canoa, depois da temporada, tinha que secar trinta dias antes de ir para o rancho. Era uma arte. Hoje é tudo de fibra, mudou a legislação, né?”.

Apesar do saudosismo de uma época que já passou, Bebeto fala orgulhoso do legado que passa de geração em geração. O filho dele, de 11 anos, ama pescar. “Nas
férias, chega aqui às seis horas da manhã, vai pra rede, pra beira, pra tudo. Ainda tenho esperança”.
No final da conversa, observo Bebeto olhando o mar como quem olha a um velho amigo. Sabe que a ilha mudou, que o turismo cresceu, que muito da cultura manezinha vem sendo engolida pelo progresso, mas também sabe que o mar continua falando com quem sabe ouvir. E, antes de se levantar, deixou um recado, com sorriso de quem já viu muita rede cheia: “Floripa tem que dar valor pra quem nasceu aqui. Pra quem vive da tainha, da maré, da fé. Porque essa ilha é mágica, mas mágica mesmo é o povo que faz ela ser o que é”.
Ficou curioso para conhecer o Bebeto? Então passa lá no Vento Suli, na Lagoinha do Norte. Pede uma tainhada (se estiver na safra), ou qualquer peixe fresco que tenha no cardápio. Com sorte, foi ele quem pescou. E, se ele estiver por lá, puxa assunto. Certeza que tem mais um caso esperando pra ser contado.
EQUIPE DE PESCA DA TAINHA:
Na equipe de pesca da Tainha, cada membro segue uma função, sendo o Patrão o topo da hierarquia:
Patrão: aquele que usa o Remo de Pá para direcionar a canoa e solta o cortiço da rede (a boia).
Chumbeireiro: Vai largando o chumbo da rede.
Remeiros: são a força motora da canoa.
Olheiro: aquele que avista os cardumes da costa e sinaliza a equipe.















