o guardião invisível
- larissashanti
- 25 de jun.
- 3 min de leitura
por Cadu Zahran
Dizem que havia um monstro na Lagoinha. Um homem solitário, bravo, que expulsava visitantes aos gritos. Que puxava barracas com gente dentro. Que surgia do mato como uma sombra e desaparecia da mesma forma. Quem fumasse perto demais das crianças, levava bronca. Quem causasse confusão, levava um susto. Quem ousasse desrespeitar a paz daquele canto da ilha… aprendia o caminho de volta.
Ao longo dos anos, muitos passaram por lá. Famílias, pescadores, andarilhos, mochileiros, gente do mundo inteiro. Uns voltaram com histórias. Outros, com marcas. Mas todos lembram dele. O Monstro da Lagoinha.

O homem por trás da lenda
O nome dele é Waldir Steinmetz. Tem 91 anos, mora hoje na praia da Armação e ainda ri quando escuta o apelido. “Nunca mandei ninguém embora. Mas se fizesse bagunça, ganhava um carinho das minhas mãos.”
Ex-membro da aeronáutica, técnico em obras e antigo sócio da Ilha do Campeche, Waldir chegou à Lagoinha em 1974. Depois de ver a praia do alto num voo de helicóptero, decidiu que se instalaria ali. Inspirado por um livro sobre um náufrago onde os passageiros construíram um lar em uma ilha, fez o mesmo: “Fiz meu barraquinho de madeira, lona e pedra. Achei água com um galho de pessegueiro e vivi mais de 30 anos ali”.
Oásis entre dunas
Escolheu um lugar entre a duna alta e a encosta do morro. Não batia vento. A copa das figueiras protegia do sol. Tinha galinhas, galo garnisé, bromélias e silêncio. Mas havia movimento também. Uma bica de água potável, um chuveiro improvisado, barracas emprestadas, comida no fogo. “O pessoal trazia o que podia. Tinha panela, talher, colchão, tudo limpo. O feijão era infinito.” Feijão infinito? “Panelão no fogão a lenha que nunca esvaziava. Só aumentava. Um trazia carne, outro farinha, outro linguiça. Só jogava dentro.”

A lei do monstro
Mas não era bagunça. A Lagoinha tinha suas regras. E quem não entendia o clima do lugar, descobria isso logo. Waldir escrevia, em pranchas de surf quebradas, que serviam como placas: proibido fumar maconha. “Eu dizia: quer fumar, vai lá no mato. Mas aqui, não. Aqui é lugar de Família.” Quem desrespeitava, às vezes, era surpreendido com um puxão de barraca. Com gente dentro mesmo. “Não era pra machucar. Era pra mostrar que ali tinha regras.”
E assim nasceu o monstro.
Um Camping Familiar que não cobrava nada
Durante mais de três décadas, Waldir acolheu gente de todo canto. Famílias. Jovens. Mochileiros. Autoridades. Malucos. Todos sentaram à mesa do feijão infinito. “Eu olhava pra pessoa e sabia se podia confiar. Não precisava mais nada.”

Pescador, mestre da arte de tarrafear, tinha fartura de frutos do mar (siris, camarões, mariscos…), mas nunca vendeu um peixe. Nunca cobrou uma diária. Nunca pediu nada. Agora, quem ficava sabia que precisava respeitar. E que ali, por trás da dureza, havia uma generosidade rara.
A verdade sobre o monstro
Em 2000, depois da morte da esposa, Waldir decidiu sair.
Viajou. Conheceu a Europa. Passeou por Londres, Portugal, Escócia, Irlanda. Mas o pensamento… sempre ficou na Lagoinha. De certa forma ele nunca saiu.
No fim das contas, talvez não tenha existido monstro nenhum. Ou talvez o monstro fosse só um outro nome para algo raro:
alguém que sabia o valor do silêncio, da comida compartilhada e do respeito. Alguém que preferiu morar no mato a viver cercado de barulho e pressa. Alguém que ensinou, com firmeza e humor, que a paz também se protege.