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tradição havaiana

  • larissashanti
  • 21 de set.
  • 4 min de leitura

Nas águas de Floripa


Canoas, baleias, ancestralidade e o silêncio do costão.

Em uma Ilha cercada por mar e histórias, poucas vozes traduzem tão bem a conexão entre corpo, água e espírito quanto Alexey. Fundador da escola KANALOA, e referência nacional em canoagem havaiana, ele remou por canais sagrados do Havaí, naufragou duas vezes nas águas de Floripa e já trocou olhares com baleias e arco-íris. Nesta entrevista, ele compartilha sua trajetória, vivências e aprendizados no caminho da canoa.


Como você descobriu o remo e o universo das canoas havaianas?


Minha paixão começou cedo, aos sete anos, no cerrado, em Goiânia. Vi um adesivo de caiaque na traseira de um carro e enlouqueci. Em 1988, de férias em Floripa, encontrei um velho caiaque e atravessei até uma “ilha”, que descobri, depois, não ser uma ilha. Na volta, um vento sul me virou e tive que nadar rebocando o caiaque. Foi minha primeira aventura remando.


Nos mudamos para cá em 1989 e nunca mais parei. Em 2001, conheci a canoa havaiana e em 2003 fundamos a KANALOA, o quarto clube do Brasil. Depois vieram intercâmbios internacionais, algumas temporadas no Havaí e até mesmo a honra de fazer parte da tripulação da Hōkūle’a na viagem de volta ao mundo (Malama Honua Worldwide Voyaging).


Foto: Kai'õpua Caneo Club / Sheraton Keauhou
Foto: Kai'õpua Caneo Club / Sheraton Keauhou

VOCÊ SABE O QUE É A HŌKŪLE‘A?

A Hōkūle‘a é uma canoa polinésia de dupla proa construída no Havaí em 1975 com o objetivo de resgatar e honrar as tradições ancestrais da navegação no Pacífico. Inspirada nas embarcações utilizadas por povos que colonizaram vastas áreas do oceano, muito antes da chegada dos europeus, ela foi criada para provar que era possível cruzar longas distâncias marítimas usando apenas os recursos naturais, como estrelas, ventos, marés, aves e a leitura intuitiva do mar (sem instrumentos modernos). Desde então, a Hōkūle‘a se tornou símbolo de resistência cultural e conexão espiritual com o oceano. Sua jornada mais emblemática foi a expedição Mālama Honua, entre 2014 e 2017, quando deu a volta ao mundo levando uma mensagem de cuidado com a Terra e com as culturas tradicionais. Foram mais de 60 mil milhas náuticas, passando por 23 países e dezenas de portos, incluindo o Brasil. Alexey fez parte da tripulação nas etapas de travessia do Atlântico, e na rota entre o Brasil e as Ilhas Virgens. O nome Hōkūle‘a significa “Estrela da Alegria”, referência à estrela Arcturus, usada pelos antigos como guia no céu. Mais do que uma embarcação, a Hōkūle‘a é um lembrete vivo da sabedoria oceânica e da força dos laços entre os povos e o mar.
Foto: Rafael Soriani / Sabrina Massochini
Foto: Rafael Soriani / Sabrina Massochini

Por que Floripa é um lugar tão especial para remar?


A geografia da Ilha é única. Estamos num divisor de águas: ao norte, mares mais calmos; ao sul, mais desafiadores. Isso forma remadores mais completos. Aqui, o mar ensina. É preciso saber ler o tempo, planejar, comunicar, liderar e tomar decisões rápidas. É um treino físico, mental e espiritual.


O que a canoagem te ensinou sobre a vida em terra firme?


A principal lição é: se não respeitar seus limites, afunda. A canoa te mostra isso com clareza. Para os polinésios, ela simboliza equilíbrio: o casco é a energia masculina, já o estabilizador lateral é a feminina, representando a harmonia, como Yin e Yang. Mais do que remar, estamos a serviço de um caminho ancestral.


O que torna uma canoa havaiana diferente?


O que caracteriza uma Va’a, como é chamada na Polinésia, é o estabilizador lateral. Ela é tida como uma divindade, feita de árvores centenárias, com todo um ritual de construção. Também é o centro da organização social nas comunidades tradicionais. Cada canoa carrega a alma da árvore que a originou e o remador deve estar à altura disso.


Foto: Rafael Soriani / Sabrina Massochini
Foto: Rafael Soriani / Sabrina Massochini

Você já viveu experiências marcantes com a natureza durante as remadas?


Muitas: encontros com golfinhos, pinguins, tartarugas, tubarões... Mas o mais especial foi em 2015, no Moçambique. Uma baleia-franca e seu filhote vieram em nossa direção. Quando estavam prestes a tocar o casco, mergulharam suavemente e sentimos a canoa sendo deslocada pela força da água. O filhote emergiu ao meu lado, me olhou nos olhos e me deu um borrifo na cara. Foi um encontro sagrado.


Quem são os alunos que mais buscam a prática?


A maioria tem entre 25 e 55 anos e, curiosamente, 85 a 90% são mulheres. Isso em todos os nossos pontos de treino na Ilha. Sempre nos perguntamos: onde estão os homens de Floripa? (risos).


Qual é o lugar mais sagrado para você em Floripa?


No alto (mauka), as trilhas do sul da Ilha, como o Saquinho e a Ponta do Pasto. No mar (makai), o costão entre a Barra da Lagoa e a Galheta. Ainda existem lugares na Ilha que emanam um espírito ancestral. Gosto de remar à noite e observar os pontos onde reina a escuridão. É para lá que minha atenção se volta.


Você já teve uma experiência mística com o mar?


Em 2004, após um naufrágio, refizemos a Volta à Ilha. Na última etapa, com o mar bravo, teve um momento em que tudo pareceu silenciar internamente. Não havia mais esforço, éramos apenas eu, a canoa e o mar em uma dança. Ao chegar na Barra, um arco-íris surgiu e o capitão do barco de apoio me olhou. Foi um cumprimento silencioso, de um homem do mar para outro.


Foto: Rafael Soriani / Sabrina Massochini
Foto: Rafael Soriani / Sabrina Massochini

O Brasil já é referência mundial no esporte?


Estamos crescendo muito. O Tahiti é o grande centro, mas o Brasil dispõe, hoje, de cerca de 500 clubes. Floripa, por suas condições desafiadoras, tem tudo para ser o coração do Va’a no Atlântico. Aqui, como dizem os havaianos, “não tem lanche grátis”.


Como é um dia perfeito para você em Floripa?


Simples: em família e na natureza.


Kanaloa, na mitologia havaiana, é o deus do oceano, da cura e do vento.


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