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dólmen da oração

  • Foto do escritor: Carol Del Lama
    Carol Del Lama
  • 3 de mar.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 11 de mar.

Nosso bate-papo com a benzedeira Camila Gomes, que resgata o saber ancestral das benzedeiras da Ilha, estreia o bloco "Histórias de Bruxa". Seu testemunho, espontâneo e sensível, se entrelaça com uma narrativa que remonta às primeiras mulheres europeias que chegaram a Florianópolis, deportadas ou fugindo da Inquisição.

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“Tem uma história que me toca muito dentro desse meu processo, que foi quando conheci um espaço sagrado de Florianópolis: a trilha do Dólmen da Oração, na Fortaleza da Barra da Lagoa. Quem encontrou essa trilha foi o seu Adini, um morador experiente que carrega muitas histórias sobre o passado da Ilha. Para chegar lá, você sobe o morro da Fortaleza da Barra e, no cume, consegue visualizar a Praia Mole inteira. Ao leste, vê a Barra da Lagoa e a Lagoa da Conceição; ao oeste, a Praia Mole e suas águas. E, bem no topo, existe um monumento de pedras posicionadas para rituais sagrados.

Assim como Machu Picchu, Stonehenge, a Ilha de Páscoa e as pirâmides do Egito, temos o Dólmen da Oração. Todos esses lugares estão alinhados para receber a luz e a energia do cosmos. Eles são marcadores de tempo de antigas civilizações. O mais impressionante é que essas pedras não estavam ali originalmente – foram colocadas propositalmente. Ninguém sabe como chegaram lá, e, assim como nesses outros locais sagrados do mundo, o místico é muito perceptível.

Quando conheci esse lugar, tive uma sensação de conexão anterior… Normalmente acontece assim: eu sonhava com o lugar, visualizava nas minhas meditações… Até que uma colega me convidou para fazer essa trilha.”

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As primeiras trocas foram silenciosas, feitas mais de gestos do que de palavras. Os habitantes daquela terra observavam as recém-chegadas com curiosidade e prudência, cientes de que cada chegada trazia consigo mudanças. Mulheres desembarcavam sozinhas, banidas da Europa, exiladas por saberes que incomodavam o poder.
Mas foi na partilha do conhecimento que o medo se dissolveu. As mulheres traziam ervas secas em saquinhos de linho, óleos e unguentos preparados segundo os costumes de suas avós. Em troca, aprendiam sobre as folhas frescas que cresciam ali, sobre raízes que curavam febres e banhos que afastavam os maus espíritos.

“Já no alto, antes do amanhecer, depois de o seu Adini nos contar o que sabia daquele lugar, senti uma vontade profunda de meditar. Quando fechei os olhos, vi mulheres sagradas subindo aquela trilha, todas nuas, dançando em círculos e consagrando a fertilidade delas e do próprio lugar com ervas. Essas conexões com a Ilha e seus saberes ancestrais fazem parte da minha história, da minha criação. O ofício da benzedeira é justamente esse: entrar nos espaços sagrados da natureza e traduzir o invisível. É trazer à tona os registros e a memória que habitam esses espaços.”


Numa clareira iluminada pela lua, reuniram-se certa noite ao redor do fogo. As mãos enrugadas de uma anciã indígena seguravam as de uma jovem recém-chegada. Com um ramo de ervas fumegantes, ela desenhou círculos no ar, enquanto a outra murmurava palavras baixas, evocando forças invisíveis. Naquele momento, não havia diferença entre as duas: eram apenas guardiãs do saber ancestral, trocando segredos da terra e do espírito.

“Mulheres sagradas sempre viveram na Ilha. Elas eram bruxas – no sentido original da palavra: mulheres livres. Eram poderosas, divinas, sabiam ler o tempo, a natureza e manipular energias sutis. No nosso registro histórico, constam três navios vindos dos Açores por volta de 1750, todos trazendo mulheres banidas da Europa. Há relatos de que, nos séculos XVII e XVIII, mulheres acusadas de feitiçaria foram deportadas para cá. Elas chegaram na Ilha sozinhas, em meio à Inquisição, e logo começaram a trocar saberes profundos com os povos indígenas sobre espiritualidade, magia e a força da natureza.”


Assim nasceu um elo que o tempo não apagou. A memória dessas mulheres, de ambas as origens, enraizou-se na terra, misturando-se aos rios, às folhas e ao vento. Ainda hoje, ao percorrer a trilha do Dólmen da Oração, é possível sentir sua presença – no cheiro das ervas amassadas sob os pés, no sussurro das árvores que contam histórias e na brisa que carrega, sutil e eterna, os saberes invisíveis que ali habitam.

Camila Gomes é artista e palestrante sobre Autoconhecimento, Saberes Ancestrais e Científicos.


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