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o que muda quando a raia é o horizonte

  • Foto do escritor: Carol Del Lama
    Carol Del Lama
  • 25 de jun.
  • 4 min de leitura

Piscina ou mar aberto? Vírgula cronometrada ou correnteza imprevisível? Em Floripa, Maurício Cangiani escolheu a segunda raia: aquela onde a correnteza ensina, o sal cura e a mente se fortalece a cada braçada.


Nadador e professor de águas abertas, Cangiani sabe que nadar vai muito além de atravessar de um ponto a outro. Nesta entrevista, ele compartilha as nuances, os desafios e as delícias desse universo salgado.

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Qual é a principal diferença entre o nadador de piscina e o nadador de águas abertas?


Na piscina, tudo é previsível: metragem exata, temperatura controlada, raias, blocos de saída. Já no mar, o cenário muda. Correntes, vento, ondulações, vida marinha, tudo isso faz parte do pacote. O nadador de águas abertas precisa estar sempre pronto para o inesperado. Isso muda completamente a forma de se preparar — física e emocionalmente.

E como estas “tribos” se diferenciam em espírito?


A tribo da piscina é mais técnica, mais focada em tempo, performance e perfeição nos movimentos. Já a galera das águas abertas busca uma conexão mais profunda com a natureza. Muitos encaram o mar como um parceiro, não um adversário. Eles celebram o percurso, não só a chegada. Claro que tem quem transite entre os dois mundos. Eu sou um deles.


VOLTA À ILHA, BRAÇADA A BRAÇADA:


DISTÂNCIA TOTAL: 125 km em mar aberto, contornando toda a Ilha de Santa Catarina DURAÇÃO: 5 dias consecutivos (apenas durante o dia)

ANO DO FEITO: 2022

TRECHO MAIS LONGO: 36 km em um único dia (15 horas nadando)

TRECHOS POR DIA:

Dia 1: 27 km (Ribeirão da Ilha - Sambaqui)

• Dia 2: 20 km (após reação a água-viva)

• Dia 3: 25 km

• Dia 4: 17 km (com vento sul contrário)

• Dia 5: 36 km (Ilha do Campeche - Ribeirão)

VOCÊ COMPLETOU A VOLTA À ILHA DE FLORIANÓPOLIS NADANDO SOLO. COMO FOI ESSA EXPERIÊNCIA?


Transformadora. Foram cinco dias, 125 km em mar aberto, com correntezas imprevisíveis e trechos longos de absoluto silêncio. Tive o apoio de uma equipe completa: barco, bote, caiaques, guarda-vidas, psicóloga, médico, fotógrafos. A jornada começou no Ribeirão da Ilha. Eu nadava durante o dia, voltava para casa, descansava e recomeçava do ponto exato no dia seguinte. No primeiro dia fi z 27 km até o Sambaqui. No segundo, uma água-viva me ferroou logo nos primeiros metros. Senti o corpo falhar. Subi no barco, respirei e me acalmei. Duas horas depois, voltei. Fechei o dia com mais 20 km.


No terceiro, fi z 25 km até a Barra da Lagoa. No quarto, o vento sul me empurrou com força. Só consegui avançar 17 km até a Ilha do Campeche. No último dia, foram 36 km. Nadei por 15 horas, das sete da manhã às dez da noite. Cruzei a linha imaginária de chegada em frente ao Ostradamus, debaixo de aplausos, abraços e lágrimas. Um momento que nunca vai sair do meu corpo. Essa travessia já havia sido feita por uma mulher, a Dailza Damas, em 2000, ao longo de 13 dias. Em 2022, ao completá-la em cinco dias consecutivos, me tornei o primeiro homem a dar a volta completa na ilha nadando solo. Bati o recorde. Mas mais do que um feito físico, vivi uma jornada mental, emocional e espiritual. Entendi que, com uma mente bem treinada e um corpo preparado, podemos ir muito além do que imaginamos.

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E quais são as principais adaptações para quem vem da piscina?


A navegação é uma das maiores. No mar, você não pode simplesmente nadar reto; precisa levantar a cabeça, se orientar e corrigir o rumo. A temperatura também é um fator. Muita gente precisa usar traje de neoprene até se acostumar. Mas tudo isso faz parte do ritual de entrada nesse universo.

Como vocês trabalham o preparo emocional dos alunos?


Treinamos em condições reais: vento, correnteza, ondulação. Isso fortalece o emocional com naturalidade, sem pressa e com segurança. O desconforto, quando bem conduzido, é um ótimo professor.

Florianópolis influencia diretamente essa prática?


Totalmente. Floripa tem uma energia voltada para esportes ao ar livre. A geografi a da ilha também é um presente. Temos várias praias com características diferentes, inclusive algumas mais protegidas, ideais para a prática. É como ter um campo de treinamento natural, sempre à disposição.

Tem alguma história emocionante que você viveu durante os treinos, ou desafios?


Teve um momento curioso durante o treino ao redor da Ilha do Campeche. Um cação (um tipo de tubarão) fi cou nos rondando. Eu não o vi, mas meu amigo no caiaque viu e me avisou. Bateu uma tensão, quase parei. Mas respirei, me acalmei e segui. No fi m, foi mais uma lição sobre como o medo é também uma construção mental.

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E para quem sente medo do mar, mas ouve esse chamado para nadar?


Vá com um professor. Vá com orientação e segurança. E vá devagar. O mar não exige coragem, exige respeito. E quando você aprende a o respeitar, ele te mostra coisas incríveis.

Vocês também trabalham aspectos como respiração, ansiedade e foco?


Sim. Começamos sempre com respiração e até meditação, para ajudar no controle da ansiedade. Temos uma cartilha com orientações de psicólogos e profi ssionais de diversas áreas. A natação em águas abertas é um mergulho para dentro — tanto quanto para fora.




Ficou com vontade de experimentar?

Procure @maucangiani no Instagram e entreguese de vez. O mar está ali, esperando por você. E quem sabe, um dia, a sua raia também será o horizonte.

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